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Seminário sobre política urbana apontou falhas no Plano Diretor
Política
Publicado em 07/05/2020

Especialistas sugerem novo modelo de zoneamento e mais diálogo com a população

Pensar a cidade vai muito além do direito que qualquer indivíduo ou coletivo possui aos recursos que a cidade incorpora. A universidade se renova toda que vez que se torna reduto para especialistas que trocam ideias para a melhor compreensão de como a cidade se desenvolve ao longo do tempo, já que a reinvenção do espaço urbano depende inevitavelmente de um exercício do poder do povo sobre os processos de urbanização. O seminário, ‘Política Urbana e Fundiária, e o Direito à Cidade’, organizado em parceria com a Defensoria Pública de Rio Preto, no auditório, Aloysio Nunes Ferreira, do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas (Ibilce) e teve a presença da professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIRP, Delcimar Marques Teodozio. 

O evento teve como principal objetivo analisar pontos críticos do Plano Diretor Municipal, identificando o modelo de zoneamento, carências de participação popular e também os vazios urbanos.

Entre os convidados estavam o professor jurista, Victor Carvalho Pinto, especialista em infraestrutura urbana e consultor do Senado Federal, também esteve presente, Renato Guilherme Goes, consultor presidente da Comissão Estadual de Regularização Fundiária (OAB-SP), além dos defensores públicos Júlio Tanone e Rafael Negreiros Dantas de Lima, auxiliar do Núcleo de Habitação e Moradia, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP. 

Em sua exposição, Renato, disse que não há nação sem que todos os seus assentamentos estejam regularizados. “O Brasil, ele não olha para o problema fundiário dele. A irregularidade que deveria ser exceção hoje já é a regra no nosso Brasil. Estados que se dizem avançados como São Paulo os loteamentos irregulares continuam nascendo diariamente em cidades pequenas e grandes”, afirmou Renato ao defender que esse fenômeno social ocorre não por questões de ausência de moradia, mas por desconhecimento da lei por parte de alguns prefeitos.

Debatedores na mesa de abertura do evento que foi organizado pela Defensoria Pública de Rio Preto. Foto: Guilherme Ramos

O presidente da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de Rio Preto (OAB), Marcelo Henrique, parabenizou a direção da Unesp Rio Preto pela gentileza de ter cedido o espaço e ressaltou que o futuro está com cada um dos brasileiros. “A Defensoria Pública vem ocupando um lugar importantíssimo que é falar e debater, por isso o espaço do Ibilce é muito importante para a sociedade. Muitos de nós brasileiros lutamos por dias melhores para todos. O diálogo às vezes não resolve essas questões de maior porte, mas é através do dele que iremos construir a nossa história”.

CIDADE DEMOCRÁTICA

A mesa de abertura contou com a presença do diretor do Ibilce, professor, Julio Cesar Torres, reafirmando a importância que a discussão do Plano Diretor traz para a cidade de Rio Preto em tempos de desconstrução da ciência nacional e que a universidade é pública porque ela é de todos. “Muito embora o Poder Executivo tenha a tarefa de propor a política urbana, casa legislativa autorizar, a mediação entre o técnico e o político passa necessariamente pela sociedade. Somente um processo que leve em conta o que a sociedade pensa sobre a organização da sua cidade é que legítima o processo de construção democrática da política urbana”.

Ao iniciar o primeiro painel, ‘O Plano Diretor como Instrumento do Planejamento Urbano’, o professor Victor Carvalho abordou que os grandes problemas nacionais têm como consequências regras que são tomadas a partir da esfera federal que se distanciam muitas vezes da realidade dos municípios. 

Encontro reuniu advogados, vereadores, acadêmicos, ativistas e especialistas de Brasília e São Paulo. FOTO: Guilherme Ramos

Ele é considerado uma das mais altas autoridades em planejamento urbanístico no país, Carvalho, não acredita ser uma boa opção o modelo de macrozoneamento adotado em Rio Preto e que também prevalece em outras cidades pelo Brasil. “Diria que é um problema de você criar uma espécie de limpo. Tem uma legislação em vigor e aprova um novo Plano Diretor, mas ele ainda não é operacional porque precisa vir a nova lei de zoneamento para tornar operacional a orientação do Plano Diretor. Então você acaba tendo uma lei que não foi revogada [lei de zoneamento anterior] que não é plenamente compatível com o Plano Diretor. Isso cria insegurança real no mercado que somos nós. As pessoas arrendam imóveis que alguém terá que produzir”, observa.

CIDADES TRIDIMENSIONAIS

Desde a tese de doutorado defendida no ano de 2001, Carvalho Pinto, vem propondo um novo olhar e mais aprofundado sobre a necessidade de se consolidar a legislação urbanística em um só documento. “É uma prática reiterada. Não dá, chegar aqui em Rio Preto e dizer que estão fazendo tudo errado, mas não digo que seja inconstitucional, apenas é uma ponderação para os gestores e a sociedade”, explicou.

Nos países desenvolvidos como Alemanha a normatização urbanística é institucionalizada em códigos, diferente do caso brasileiro onde a Constituição Federal obriga a criação dos planos diretores, porém sem uma definição clara do que seria todas essas diretrizes que regem a expansão de seus 5.560 municípios. Assim, cada prefeito define por conta da subjetividade como será a criação de seus projetos.

As cidades precisam crescer estabelecendo prioridades evitando áreas com deficiências de abastecimento de água, por exemplo, é preciso expandir a mancha urbana de maneira contígua através da reutilização dos espaços já urbanizados como os assentamentos irregulares e favelas. 

Outro ponto abordado ao longo dos debates foram as intervenções urbanas que levam as desapropriações sem que a sociedade saiba o que de fato será construído no local desapropriado. 

Para o especialista, falta detalhe e consistência nos projetos de ordenamento territorial. “É preciso trazer as normas de zoneamento para dentro, ter uma definição definitiva e fazer uma grande discussão em torno disso. É essa visão tridimensional da cidade que a gente precisa recuperar. A discussão do Plano Diretor acaba sendo muito abstrata”, disse Carvalho.

Na sequência teve o painel, ‘Revisão do Plano Diretor e o Direito à Cidade’, o advogado, Rafael Negreiros Dantas de Lima, coordenador do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, apresentou os resultados sintetizados de uma análise do Plano Diretor de Rio Preto após um pedido da Defensoria local. 

DIÁLOGO COM ORÇAMENTO

O defensor público descreveu ausência de um diagnóstico compreensível real da cidade o que dificultou também a realização de uma nota técnica encaminhada à Câmara Municipal, ele também identificou a desvinculação do debate público sobre a expansão da cidade na revisão do plano com o orçamento público. “Não adianta você dizer que vai fazer tais mudanças na cidade se não compreende o quanto têm de recursos para aquilo. Então o quanto é factível nos próximos dez anos que vai ser concretizado o que está sendo prometido e discutido com a população”, afirmou Rafael. 

Para explicar o fenômeno dos vazios urbanos que trazem custos para administração pública e fortalece o crescimento desordenado das cidades. O jurista apresentou um mapa colorido de diversas regiões da cidade e um gráfico com dados que mostram a queda do crescimento populacional em Rio Preto.

O mapeamento realizado por satélite publicado em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que Rio Preto é a oitava cidade, com exceção das capitais, com a maior quantidade de espaços sem ocupação entre 43 localidades acima de 300 mil habitantes.

Para o advogado, ao fazer um recorte metodológico da observação da proposta de revisão do Plano Diretor, descobriu-se que os loteamentos irregulares estão nas áreas periféricas da cidade. Rafael Dantas, entende que toda parte de zoneamento de interesse social se resume basicamente na regularização fundiária e que não há dados precisos sobre qual o déficit verdadeiro de moradias em Rio Preto. “A gente tentou olhar um pouco da concretude da minuta do Plano Diretor para problematizar algumas questões. Não significa que são verdades absolutas, são muitos apontamentos técnicos a partir da análise de outros planos diretores e até onde vai à tomada de decisão, além do nível de informação que a gente precisa ter e como isso é complexo”, orientou.

A conferência junto com debatedores continuou com uma mesa redonda que respondeu perguntas do auditório sobre os temas que foram tratados.

Função Social da Terra

Ao fazer um balanço do evento de educação e direitos, Júlio Tanone, disse que o mesmo traz uma discussão importante sobre a revisão do Plano Diretor e que ao produzir a nota técnica identificou pontos que precisam ser aperfeiçoados. “Trabalharmos para que haja uma melhoria particularmente nos mecanismos de junção da função social da propriedade em nosso Plano Diretor, e a garantia que toda a sociedade rio-pretense tenha de fato acesso ao direito à cidade e sua infraestrutura”, defendeu Júlio.

Representando o Poder Legislativo de Rio Preto compareceram os vereadores, Marco Antônio Rillo, Renato Pupo e Jean Charles Serbeto. Também lideranças dos movimentos sociais, CSP Conlutas, Associação dos Amigos dos Mananciais (AMA), os professores do Ibilce, Arif Cais e Denise Feres, do departamento de Zoologia e Botânica, Luta Popular e a Empresa Municipal de Construção de Casas Populares (Emcop).

Professora Delcimar do curso de Arquitetura da Unirp em debate com os convidados ao final dos painéis. Foto: Guilherme Ramos

A professora arquiteta e urbanista, Delcimar Marques Teodozio, autora da tese de doutorado, ‘Do sertão à cidade. Planejamento urbano em São José do Rio Preto: dos anos 50 aos anos 2000’, lembrou que embora a última edição do plano tenha avançado, ainda falta entendimento da população e disse que é necessário olhar para as boas experiências vindas de outras comunidades para transformar Rio Preto na melhor cidade para se viver. “O sucesso deste evento são justamente pessoas procurando entender lacunas que não foram ainda preenchidas. Como a cidade vai crescer? É ouvir a população sempre. Do ponto de vista técnico a gente tem uma visão, mas a população pode ter outro desejo e o que tem que prevalecer é o da população”.

MAS O QUE É O PLANO DIRETOR?

De acordo o artigo nº 182 da Constituição Federal é o instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana. O Plano Diretor deve ser aprovado por lei e faz parte do processo de planejamento municipal, devendo englobar todo o território do Município.

Por: Guilherme Ramos

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