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Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em fevereiro de 2018, a cada mil adolescentes brasileiras (entre 15 e 19 anos), 68,4 ficaram grávidas e tiveram seus bebês durante o período de 2010 a 2015. Em todo o mundo, o índice desses nascimentos a cada mil é de 46, o que torna o índice brasileiro acima da média latino-americana, estimada em 65,5. Ainda segundo o relatório, a mortalidade materna é uma das principais causas de morte entre adolescentes de 15 a 24 anos na região das Américas. O risco de óbito materno é dobrado em casos de gravidez em jovens com menos de 15 anos em países de baixa e média renda.
Nota-se, dentre os diversos e perigosos fatores resultantes de uma gravidez precoce, as altas taxas de aborto. Apesar das implicações que o aborto provocado pode trazer, os números mostram que essa ainda é uma espécie de saída vista por muitas adolescentes. No Brasil, a legislação atual proíbe aborto, salvo em casos da gravidez ser resultante de estupro, se o feto for anencefálico e quando a gravidez coloca em risco a vida da mãe.
“Eu tinha muitos planos para minha vida, assim como o meu namorado da época, e minha mãe não iria aceitar fácil, mas sei que ela não teria me deixado sozinha, então eu entrei em desespero. Comecei a pesquisar sobre métodos abortivos caseiros e, cada vez que eu lia sobre isso, eu chorava e me sentia uma pessoa muito ruim”, conta a estudante Isabela, cujo nome fictício.
Aos 16 anos, Isabela viajava por 4 horas para raros encontros com o rapaz que namorava. Em um desses encontros, eles tiveram relação sexual sem prevenções, mas a jovem se manteve tranquila até notar que sua menstruação estava atrasada. “Quando já faziam quase 2 meses que minha menstruação estava atrasada, tomei coragem para fazer um teste de gravidez, que teve resultado positivo. Fiz outros 4 testes para ter certeza e todos deram que eu realmente estava grávida”. Após descobrir a gravidez, Isabela teve o apoio de seu então namorado, mas ele, assim como ela, também alegava não estar pronto para ter um filho.
Isabela buscou se informar, através da internet, sobre métodos abortivos caseiros e começou a preparar diversos tipos de chás. A jovem chegou a ingerir 2 litros de chá de boldo com canela em menos de 30 minutos. “Estávamos prontos para recorrer a pílulas abortivas, já que não tem nada que realmente comprove que os chás são abortivos, apesar de serem contra indicados em gravidez. Mas eles realmente funcionaram. Alguns dias depois eu comecei a ter cólicas insuportáveis e desceu pra mim, muito sangue, uma menstruação bem intensa. Eu me senti aliviada, não vou mentir, não só por ter dado certo, mas por eu estar “bem”. A menstruação foi intensa só no primeiro dia, e junto dela saiu um “saquinho”, eu realmente não sei como descrever o que era, mas quando isso aconteceu, eu chorei, me senti mal, me perguntava o que eu havia feito”.
Hoje, aos 21 anos, Isabela trabalha, estuda e realiza seus sonhos que, segundo ela, não seriam possíveis se a jovem tivesse escolhido ser mãe aos 16 anos.
“A gestante se vê muito assustada com a realidade, ela fica com medo da mudança na vida, de perder amizades, perder a liberdade, de não ter a aceitação da família, do pai da criança abandoná-la, então as outras conquistas dela ficam comprometidas, principalmente a vida de estudante”, comenta a psicóloga Sandra Maria Kerbauy.
“Se eu disser que me arrependo, estarei mentindo, mas foi uma experiência traumatizante, até porque eu sempre quis ser mãe, mas não naquele momento, não naquelas condições. Se eu tivesse tido uma gestação sem complicações, com 9 meses completos, meu bebê teria nascido no mês de fevereiro, e todo ano, nesse mês, eu penso nisso, é uma coisa que levarei para a vida toda”, completou Isabela.
A estudante Lubia de Souza Matayoshi, de 21 anos, representa uma outra versão da história de Isabela. Aos 15 anos, Lubia engravidou após completar pouco mais de 1 ano de namoro. A jovem conta que seu primeiro pensamento foi a sua família e, principalmente, o seu pai que sempre depositou grandes expectativas na jovem, por sempre se mostrar muito estudiosa. “Pensei que os tinha decepcionado, que eu não levaria orgulho a eles. Aos poucos minhas fichas foram caindo, que nada mais seria como antes”.
“São muitas pessoas envolvidas, pois quando ocorre uma gravidez não programada e não desejada na adolescência, pode se criar alguns desconfortos não só no comportamento da gestante, mas também da família”, afirma a psicóloga Sandra Maria Kerbauy.
Assim como na grande maioria dos casos de gravidez na adolescência, todo o processo foi difícil e delicado. Segundo Lubia, as dores e as mudanças no corpo foram algo que a assustaram muito.
“Não é algo que não passa pela cabeça, é uma opção, mas eu não quis escolher”, comentou a estudante quando questionada sobre o pensamento de abortar. A irmã de Lubia faleceu por conta da prática provocada e indevida do aborto. Segundo especialistas de direitos humanos das Nações Unidas, abortos inseguros matam 47 mil mulheres por ano em todo o mundo.
Já com 6 anos de idade, o filho de Lubia de Souza Matayoshi e Kenji Matayoshi trouxe e ainda traz muitas felicidades ao casal. “Aos 15 anos, eu me achava incrível por ser estudiosa, responsável, fazer cursos e ganhar concursos, mas eu vi que isso não é nada. Em um descuido, nenhum diploma vai te proteger, mas sim as pessoas que você ama. E eu, que não precisava de ninguém, precisei de muita gente, precisei pegar cesta básica na igreja, precisei pedir por favor para ser atendida em um hospital público, precisei da minha mãe que não tem ensino fundamental, mas é graduada em melhor mãe. Aprendi a ter empatia, pois sempre falei que gravidez precoce era irresponsabilidade, e realmente é um momento de irresponsabilidade, mas ninguém sabe como as coisas realmente aconteceram e ninguém pode julgar alguém”.
“A gravidez me deixou muito mais forte, mais determinada a buscar o melhor, não para o meu status, mas para a felicidade e de minha família.”
A psicóloga Sandra Maria Kerbauy, professora e atuante como psicóloga no Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP, afirma que o acompanhamento desses casos dentro da área da psicologia é envolvido com a busca pela união da família, para que a adolescente tenha o seu devido apoio, além de orientar a gestante para que ela possa viver sua gestação de uma forma mais adequada, em sua saúde física e emocional. “Há muitas questões que envolvem os hormônios e que também podem vir a comprometer o estado de humor dela, então nós tentamos fazer com que ela passe por isso da maneira mais saudável possível”, afirma a psicóloga.
Decisões atuais
O atual presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 13.798, que acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) o artigo instituindo a data de 1º de fevereiro para início da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. A decisão foi publicada na edição de 4 de janeiro de 2019 do Diário Oficial da União. A oficialização da data, que será celebrada anualmente, foi proposta em 2010 pela então senadora Marisa Serrano (PSDB-MS).
Por Nathalia Gonfinete