Elas estão na mídia, no mercado, na política e também no esporte. Porque não?
Historicamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), organizam centenas de atividades para a promoção do esporte no mundo todo, além de frequentes estudos sobre os benefícios dessas práticas, afim de reduzir o comportamento sedentário e promover a saúde.
A busca pela qualidade de vida é um dos motivos pelos quais a prática de esportes torna-se essencial, mas a desigualdade de gênero também se faz presente neste meio, sendo considerada uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres.
Ao retratar a masculinidade presente nos esportes, é inevitável citar o futebol. Nele, simultaneamente ao aumento da participação das mulheres, o preconceito ainda se faz presente em grande escala, por se tratar de um esporte culturalmente associado a figura masculina.
O número de feitos e conquistas de atletas do sexo feminino no futebol, contribui com sua visibilidade e credibilidade, mas a capacidade dessas mulheres é colocada diariamente em debate apenas por conta de seu gênero.
Em setembro de 2018, Marta Vieira da Silva, mais conhecida apenas como Marta, venceu pela sexta vez o troféu de melhor jogadora do mundo da Federação Internacional de Futebol (Fifa), tornando-se a maior vencedora do prêmio entre homens e mulheres.
Marta é internacionalmente conhecida por seu talento e suas consecutivas vitórias. Sua trajetória é utilizada por milhares de mulheres como um exemplo para enfrentar a luta diariamente travada nos campos para ocuparem o espaço que elas tem direito.
Um dos primeiros passos do Ministério do Esporte para estruturar o futebol feminino no Brasil, foi tomado pelo ex-ministro Aldo Rebelo, em dezembro de 2011, quando empossou a ex-jogadora da seleção brasileira, Michael Jackson, como coordenadora de futebol feminino. Desde então, o Ministério do Esporte realiza três Copas Libertadores da América de Futebol Feminino no Brasil.
Nas Olímpiadas de 1932, Maria Lenk, com apenas 17 anos, foi a primeira brasileira a participar dos jogos Olímpicos, sendo considerada um grande incentivo para que outras mulheres começassem a participar dos jogos.
Desde então, pode-se notar que houve uma longa caminhada em direção ao respeito e a igualdade de gênero nos esportes, mas infelizmente, ainda não foi feito o suficiente para alcançar esses objetivos.
Um dos movimentos que contribuíram e ainda contribui nesta luta por igualdade, é o feminismo, onde um de seus ataques é justamente a zona de conforto masculina, ou seja, espaços outrora predominantes da presença masculina, mas que possuem agora, no mínimo, uma contraposição feminina.
Segundo o estudo conduzido pela ONG britânica Women In Sport, entre setembro de 2017 e março de 2018, 40% das mulheres no esporte enfrentam discriminação de gênero. O sociólogo Antônio de Azevedo Júnior, acredita que o preconceito contra as mulheres no meio esportivo tem ligação com o contexto sócio histórico destinado às mulheres. “Há uma naturalização dos papéis sociais a serem representados pela mulher, e o esporte é um espaço marcado pela virilidade, força, coragem, todos valores e características associados ao universo masculino. Logo, as modalidades esportivas, geralmente, se iniciam como masculinas quase que exclusivamente e depois passam a ter uma versão feminina”. O esporte é entendido como o espaço da competição, algo também construído socialmente como masculino e sobretudo uma maneira de colocar em prova a masculinidade de alguém. No Brasil, até mesmo a aceitação de que um homem não goste ou não pratique futebol é difícil. “Já as mulheres, na maioria das vezes, são associadas à atividades que envolvam delicadeza e suavidade, daí o fato de estarem presentes, me parece, em maior número na ginástica rítmica, a qual também requer força, mas destaca-se por sua ‘beleza’”, completa Júnior.
Historicamente, as mulheres são tidas como intrusas na maioria dos esportes, tendo que lutar para conquistar seu espaço, sua igualdade de oportunidades e seus direitos. A preparadora física Jessica de Lima Gonçalves Lopes Ferreira, natural de Iacanga, no estado de São Paulo, teve seu primeiro teste como jogadora de futebol no ano de 1977, na cidade de Marília (SP), onde permaneceu até 1999, antes de se mudar para São José do Rio Preto, no interior do estado. Desde então, Jessica jogou pelo Rio Preto Futebol Clube, intercalando sua carreira com passagens pelos times femininos do São Paulo Futebol Clube, Palmeiras e Marsala, da Itália, atuando sempre como meio de campo e volante.
20 anos depois desde que se mudou e começou a jogar em São José do Rio Preto, cidade onde concluiu sua graduação em Educação Física, Jessica relembra os desafios no início de sua carreira. “Eu sempre gostei de futebol. Desde criança eu participava das escolinhas masculinas e tinha o sonho de me tornar jogadora. Naquela época era mais difícil ter algo voltado ao futebol feminino”, explica. Após seu primeiro teste, realizado em Marília (SP), a atleta não recebia salário e sua família não tinha condições de ajuda-la financeiramente. “A gente praticamente jogava por um prato de comida”, contou. Hoje, aos 37 anos, a jogadora consegue refletir sobre as dificuldades que passou, mas confessa que na época se tratava apenas do começo da realização de um sonho, o que fazia com que a jovem não enxergasse os desafios como dificuldades. “Sempre achei que iria conseguir”.
Quando questionada sobre a desigualdade de gênero culturalmente imposta no esporte, Jessica comenta que desde o início via o espanto causado nas pessoas quando ela dizia que era jogadora de futebol. “As pessoas pensam ‘Você joga futebol e é mulher?’, é uma forma de diminuir o que a gente faz, é uma coisa muito ruim”. As dúvidas que cercaram sua capacidade não a impediu de realizar o seu sonho e se destacar na profissão. Dentre as conquistas da atleta, incluindo gols em finais de campeonatos brasileiros, ela destaca uma vitória que marcou a sua carreira, a final do campeonato em 2017, quando jogava contra o Santos, na Vila Belmiro, e seu time perdia de 1 a 0 quando viraram o jogo e venceram por 3 a 1, na casa do peixe. “Eu guardo esse jogo como o melhor da minha vida. Fiz um gol muito bonito e esses jogos que a gente faz gol marcam bastante, afinal a minha posição não é a de atacante”.
Segundo o estatuto e regulamento de clubes da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) publicado em 2016, as confederações afiliadas à entidade passaram a ter o prazo de dois anos para adaptação às novas normas publicadas. Dentre elas, estava a obrigatoriedade dos clubes possuírem um time de futebol feminino adulto e de base, medida que passou a ser válida a partir de 2019. “Acredito que tudo tende a melhorar com essa decisão”, comentou a educadora física. Com as novas normas, o início de 2019, ano em que se completa 40 anos desde que o futebol feminino deixou de ser proibido por lei no Brasil, foi marcado por diversos times, dentre os 20 que representam os participantes da Série A do Brasileiro, planejando e estruturando seus respectivos times de futebol feminino para se enquadrarem no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol e disputarem a Libertadores.
“O esporte tem que ser para todo mundo. Todos temos o direito de fazer o que gostamos e não sermos julgados por isso.”
- Jessica de Lima Gonçalves Lopes Ferreira
Foto: Arquivo pessoal de Jessica
Por Nathalia Gonfinete